sexta-feira, 4 de maio de 2012

‘Memórias de uma Guerra suja’ reabre porões dos crimes da ditadura militar


Da Redação
Foto capa: Rogério Medeiros

É grande a repercussão do livro “Memórias de uma guerra suja”, dos jornalistas Rogério Medeiros e Marcelo Netto. Nas últimas 24 horas, as revelações do ex-delegado do DOPS, Cláudio Guerra, foram tema das principais publicações do País e já começaram a gerar polêmica. A edição do jornal O Globo, desta quinta-feira (3), traz uma matéria de meia página sobre o livro.

O jornal carioca dá destaque à informação revelada pelo ex-delegado, hoje pastor da Assembleia de Deus, que afirma ter utilizado os fornos da Usina Cambahyba, em Campos, Rio de Janeiro, para incinerar corpos de militantes de esquerda. A usina, à época, era do ex-deputado federal e ex-vice-governador do Rio Heli Ribeiro Gomes, que morreu em 1992, antes de a usina ser fechada.

Nas instalações de Heli, que era amigo de Cláudio Guerra, teriam sido incinerados pelo menos 10 corpos de militantes políticos de esquerda. Guerra afirma no livro que não tomou a decisão e usar os fornos da usina sozinho. Ele conta que antes levou ao local o coronel da Cavalaria do Exército Freddie Perdigão Pereira, que trabalhava para o Serviço Nacional de Informação (SNI), e o comandante da Marinha Antônio Vieira, que atuava que atuava no Centro de Informação da Marinha (Cenimar). Os dois aprovaram a ideia e passaram a usar o local para “sumir com os corpos”, uma vez que os “cemitérios” utilizados até então começavam a levantar suspeitas.

No livro, Guerra faz questão de frisar que levou os corpos para o local, mas que não teve participação nestes crimes. Ele não sabe quantos corpos foram queimados nos fornos da usina. “Perdigão também usou, por conta própria, a usina para esse fim, em ações das quais não participei. Não sei precisar quantos corpos nem quem eram as pessoas que foram jogadas nos fornos. Soube que outros políticos desaparecidos foram queimados lá”, assegura Guerra.

Repercussão

De acordo com informações publicadas no jornal O Globo, o Ministério Público Federal já investiga quatro das mortes relatadas no livro por Cláudio Guerra. Segundo o ex-delegado do DOPS, o líder comunista David Capistrano foi um dos militantes incinerados na usina de Heli. As informações de Guerra batem com as do MPF. A procuradora da República Eugênia Gonzaga confirma que a mão direita de Capistrano foi arrancada, conforme relato de Guerra.

“As informações são consistentes. Vamos reunir as informações e seguir para a usina de Campos em busca de depoimentos”, disse o deputado estadual Adriano Diogo, que preside a Comissão da Verdade em São Paulo.

Diogo adiantou que a Comissão deve intimar o Cláudio Guerra para depor sobre os casos dos militantes políticos mortos e também sobre a morte do delegado Sergio Paranhos Fleury, que não teria morrido acidentalmente ao cair de uma lancha em Ilha Bela, litoral norte de São Paulo. Guerra sustenta no livro que a morte de Paranhos foi planejada pelos oficiais Freddie Perdigão e Ênio Pimentel (já mortos), Juarez de Deus Gomes da Silva, Antônio Vieira e Carlos Alberto Brilhante Ustra.

O livro

Há mais de três décadas, o jornalista Rogério Medeiros, então repórter do Jornal do Brasil, desvelou em uma reportagem a verdade sobre o ex-delegado Cláudio Guerra. Medeiros esclareceu que Guerra não era combatente da criminalidade no Espírito Santo, mas sim o autor de pelo menos 35 execuções sequenciadas de queima de arquivo. “A reportagem causou um efeito devastador à imagem de Guerra. Ele passou da condição de defensor da sociedade capixaba a chefe do crime organizado”, afirma Medeiros.

Embora a reportagem tenha ajudado a pôr o temido delegado atrás das grades, o jornalista foi surpreendido com um convite inusitado. “Em 2009, a advogada de Guerra me procurou para dizer que o cliente dela queria falar muito comigo. Estranhei, mas fui ao local na certeza de que assunto seria a antiga reportagem que implicara sua prisão”, recorda Medeiros.

Surpreendentemente, Cláudio Guerra, que na época estava muito doente, queria confiar ao jornalista os detalhes da sua longa jornada de crimes, como uma espécie de transposição de seu passado em favor da dedicação a uma vida religiosa que havia iniciado na prisão. “Durante os quase dois anos em que, com Marcelo Netto, o ouvi exaustivamente para esse livro, percebi seu incômodo com a possibilidade de que suas confissões fossem entendidas como a busca de um perdão ou um explícito arrependimento”, destaca Medeiros.

Cláudio Guerra por ele mesmo

Sou um homem de 71 anos, mudado pela vida. Não posso dizer que não me arrependo. As tarefas que cumpri me trouxeram dores dos ossos à alma, os rostos nunca se apagaram da minha memória.

Enquanto servi ao regime militar, lhe fui absolutamente leal, a ponto de aceitar a autoria de um crime que não era meu.

Na cadeia eu conheci Jesus e ao me aprofundar no conhecimento da Bíblia, vi a necessidade de caminhar para além do perdão. Era preciso me confessar aos homens. E resolvi revelar os meus atos na defesa daquele regime.

Encaro como positiva e acertada a decisão da presidente Dilma Rousseff de criar a Comissão da Verdade, e estou à disposição das autoridades para ajudar.

Não quero mais carregar segredos, não há perdão, mas posso buscar contrição daquilo que fiz. Para tentar ajudar as famílias das vítimas resolvi dizer o que sei. Estou sereno, não podia deixar de fazer o que estou fazendo. Sofro e lamento por tudo o que aconteceu e sinto como se estivesse falando de um Claudio que não existe mais, daquele Cláudio, Deus já me libertou.


Fonte: http://www.seculodiario.com.br/exibir_not.asp?id=63842

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